Entrevistas
Por dentro da curadoria musical do GP de São Paulo de Fórmula 1: o olhar de Max Viana
Artista, produtor e diretor musical fala do desafio de transformar um dos maiores eventos esportivos do mundo em um espaço de pertencimento e narrativa cultural
Para Max Viana, fazer curadoria musical é mais do que escolher artistas, é escrever histórias. E em 2025, ele assina uma das mais simbólicas de sua trajetória: a curadoria musical do Grande Prêmio de São Paulo de Fórmula 1, evento que reunirá no autódromo de Interlagos uma programação marcada pela diversidade e pela força da música preta e brasileira.
“O line-up de um festival conta uma história. Ele pode falar sobre cultura, inclusão, ancestralidade e identidade. A curadoria, na verdade, tem uma função muito mais profunda do que as pessoas percebem”, explica Max. Para ele, cada projeto é uma oportunidade de equilibrar objetivos comerciais com mensagens que movem e representam.
Com passagens por projetos de diferentes linguagens, como o Festival Spanta, reconhecido pela diversidade artística, e a direção musical do Prêmio Sim à Igualdade Racial, dedicado à valorização das culturas negra e indígena, Max chega ao GP de São Paulo no auge de uma fase em que transita entre universos criativos com naturalidade. “Esse convite chega num momento em que eu me sinto pronto para unir todas as minhas vivências, de artista, produtor e curador. Hoje eu tenho o olhar mais plural, o coração mais aberto e mais a oferecer no sentido de compor histórias que realmente façam sentido”, diz.
![]() | ![]() |
Curiosamente, o line-up majoritariamente negro não foi uma decisão estratégica, mas o resultado natural de uma busca por excelência. “Eu não montei esse line-up pensando em colocar mais artistas negros. Eu quis grandes shows. E Thiaguinho, Seu Jorge, Tony Garrido, Feijão… são grandes shows. São artistas potentes, com presença, entrega e trajetória”, explica. Para ele, o gesto político está na naturalidade desse protagonismo:
“Mais importante do que forçar o negro a caber onde ele não está é não tirá-lo de onde ele pode estar naturalmente. Quando isso acontece, a representatividade se torna orgânica.”

Ao falar sobre o papel cultural da Fórmula 1, Max reforça a dimensão simbólica do projeto. “A Fórmula 1 é também um grande evento cultural do país. Assim como a Olimpíada, ela exige uma representação verdadeira da nossa cultura. Por isso, era importante que o público visse no palco a riqueza e a pluralidade da música brasileira”, conta.
Entre os nomes confirmados, estão Thiaguinho, Seu Jorge, Tony Garrido, Mateus & Cauã, Feijão e Salgadinho, além de Mel Lisboa interpretando Rita Lee. “A gente pensou num mosaico que representasse o Brasil, da força do samba ao pop, da tradição à modernidade. Mesmo quem não se identifica com todos os artistas entende que ali há um desenho culturalmente rico, que mostra o melhor do que somos.”
Nos bastidores, o diálogo entre curadoria e organização foi essencial para consolidar o recorte cultural do projeto. “Eu não sabia que a Fórmula 1 tinha esse viés cultural tão forte, quase como uma amostra do país para o mundo. E foi isso que me encantou. As conversas com o Manu Vale, que me contratou e tem uma vivência enorme com o circuito, foram muito ricas nesse sentido. A gente entendeu que precisava mostrar um Brasil autêntico, vibrante e plural”, completa.
Mais do que uma trilha sonora para o automobilismo, a curadoria de Max Viana reflete um novo tempo: o de ver a cultura preta e popular ocupando espaços antes distantes, com potência, sofisticação e pertencimento.
“Eu sinto que muitos artistas negros ficam felizes quando me encontram nessa posição. É inspirador ver outro negro no comando. Faz as pessoas entenderem que sonhar não é de graça, é possível conquistar.”

@enrikmonteiro e @enrikmonteiro_press
Para ele, autoestima é a base de qualquer avanço coletivo. “Acho que o maior desafio está aí. Quando você acredita em si mesmo, é mais difícil que a vida ou as pessoas tirem de você a sensação de que é possível. Sempre existirá quem duvide, mas é por isso que precisamos reforçar o valor da autoestima, principalmente entre pessoas negras ou minorizadas. Quando elas se veem representadas, entendem que também podem ocupar esse lugar.”
Essa mesma visão se reflete em seu novo projeto pessoal, o selo e estúdio Vilarejo, parceria com a Universal Music. “A Vilarejo era um desejo antigo. Tudo começou quando meu filho, meu irmão e meu sobrinho, todos de 19 anos, começaram a compor juntos. Trouxe os três para o estúdio e entendi que havia ali uma potência linda. Isso reacendeu em mim o desejo de criar a gravadora, que estreia com a banda Trívia no dia 14 de novembro”, revela.
A Vilarejo Records será também uma nova plataforma para jovens artistas, muitos deles negros, mostrarem seu trabalho.
“Não é um selo voltado exclusivamente para artistas negros, mas naturalmente é um espaço que acolhe a diversidade. Só de não excluir, você já abre um caminho. E isso, para mim, é um começo excelente.”
Com mais de duas décadas de trajetória, Max acumula aprendizados que hoje se refletem em sua visão sobre curadoria. Para ele, o segredo está em compreender o papel social da arte e a força da diversidade como valor criativo. “Curadoria não é sobre o meu gosto. É sobre o assunto que você quer falar e o público que você quer atingir. Quem ganha mais é quem busca a diversidade, quem entende a diversidade como a maior riqueza”, reflete.
Na fala de Max, o conselho aos novos curadores vem carregado de vivência
“A gente precisa estudar, pesquisar, entender as histórias das pessoas e as expressões de cada lugar. Quanto mais regional for a nossa busca, mais chance temos de sermos internacionais. O mundo se encanta com o Brasil quando o Brasil se apresenta como ele é.”






