• 16-09-2024

Em entrevista à Africanize, a cantora baiana fala sobre a nova turnê do disco e reflete sobre a falta de espaço na indústria musical para artistas de fora do sudeste do Brasil

Se o amor é capaz de produzir algo tão bom, por que acaba tão amargo quanto o sabor do cacau? É o questionamento que a baiana Melly, de 23 anos, traz com o álbum “Amaríssima”, disponível nas plataformas digitais. O disco possui 12 faixas e vai do R&B ao ijexá, passando pelo pagode baiano e os ritmos de bloco afro. 

 

Acompanhado por um curta-metragem de 18 minutos, o álbum traz questionamentos da cantora sobre relacionamentos, maturidade e os desconfortos da vida adulta. Em um bate-papo com a Africanize, Melly reflete sobre as inspirações de “Amaríssima”, as expectativas para a primeira turnê da carreira e a chegada de uma nova versão do álbum. Confira mais abaixo! 

 

“Eu nunca fui de me mostrar, de conversar sobre esses sentimentos, pela criação que eu tenho. A minha família é ótima, mas somos todos pretos e inábeis a falar sobre fragilidades. Eu aprendi a me expor com a poesia”, conta a artista.  “O ‘Amaríssima’ é sobre quando entendi que essa evolução seria bastante difícil, árdua e amarga. É só depois de passar pelos momentos desconfortáveis que a gente consegue sentir e apreciar o conforto que vem depois.” 

 

 

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Foto: Divulgação/João Arraes

Em 2022, após o lançamento do single “Azul”, a cantora precisou sair de Salvador, Bahia, para trabalhar em novas canções – deixando brevemente para trás, a família e os relacionamentos cultivados na cidade em que nasceu. Melly passou cerca de dois anos produzindo o primeiro disco, enquanto explorava o início da vida adulta e seus relacionamentos. 

 

“Acho que a música me fez enxergar um lado de mim que sozinha eu não ia ser capaz de desenvolver, de me permitir me expor e ficar à vontade com ridículo e essa exposição de sentimentos, como falar sobre amor, afeto e sobre o que eu sinto quando eu tô sozinha ”, conta.

 

Melly abraça as raízes do R&B e da música baiana com o “Amaríssima” 

 

Com influência do R&B, mas especialmente ligado às raízes da música baiana, o disco reflete em tudo o que a cantora cresceu ouvindo. "O ’Amaríssima’” passeia por diversas influências, indo do ijexá até os blocos afros que cresci escutando, do pagode baiano e até mesmo o axé que fez parte da construção da minha cultura, além do MPB. Se encaixa muito no que se é a música preta brasileira e música popular brasileira.”, explica a artista. 

 

Melly enfatiza a necessidade de trazer um disco ligado aos ritmos baianos em um período em que os grandes investimentos musicais são ligados ao eixo sul e sudeste do Brasil. “Uma parcela da música começou a querer controlar quais artistas vão estar em destaque, em quais gêneros, e eu não queria ceder a essa pressão do mercado. O pop não é somente o que se faz no sudeste, não somente funk, sertanejo e pagode.” 

 

“Existem diversas influências daqui que já fizeram tanto sucesso, mas que sempre voltam para aquela caixinha de música regional. Já tentaram fazer isso com Carlinhos Brown, com o axé. Caetano teve que mudar para o Rio para fazer sucesso, Djavan teve que sair de Alagoas. Eu acho que essa pressão é um pouquinho desonesta com a verdade da arte e do artista, então eu quis me colocar nesse lugar de, eu faço o que eu sou e eu não vou deixar de fazer o que eu acredito.” , destaca Melly. 

 

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Foto: Divulgação Secretaria de Cultura do Estado da Bahia

A faixa “Falar de Amor”, que abre o disco, é descrita como a favorita de Melly. A cantora funde o pagode baiano com o jersey – vertente musical da música eletrônica com fortes raízes no hip hop. Melly conta que a fusão entre os ritmos elevou sua criatividade para um novo nível. “A gente descobriu na hora que os dois gêneros poderiam se encaixar, eu fiquei muito feliz!” 

 

Melly explica que compôs a faixa inspirada no término de uma amiga, e que a letra reflete sobre o encerramento de um ciclo. “Eu acho que é uma das músicas mais amargas do disco, por representar essa finalização de algo que a gente colocou tanta expectativa. Acabar um amor é algo bastante difícil ”.

 

Além disso, a faixa explora também um lado da voz cantora que até então era desconhecido por ela. 

 

[Falar de Amor] traz uma agressividade que eu ainda não tinha acessado. A minha voz é muito suave, e por eu ter essa capacidade de ser muito doce, eu ainda não tinha feito algo que era agressivo. Quando essa música saiu, eu fiquei muito feliz por ter conseguido acessar esse meu outro lado essa minha outra região de voz, é uma música que eu uso mais o grave.” 

 

Álbum de Melly é acompanhado pelo curta-metragem “Amaríssima” 

 

Acompanhado do álbum, a cantora lançou o curta-metragem “Amaríssima” no Youtube, com roteiro e direção de Edvaldo Raw. Melly explica que a captação audiovisual da história sáfica, contada no álbum, foi feita através da lente do cineasta – que também teve a ideia de nomear o par romântico feminino da cantora com o nome de “Amara”, personagem interpretada por Camilla de Souza Damião, em referência ao título do álbum.

 

“Ele foi muito sensível também captar a ideia do disco e perceber que não era só sobre amor, mas também sobre eu me descobrir enquanto uma pessoa adulta, enquanto artista. Esse disco é a minha forma de me entender no mundo mesmo, e quem eu sou, e isso que ficou retratado no filme. Eu sou uma mulher, ainda não sei se eu sou lésbica, sou preta, soteropolitana.” 

 

 

Primeira turnê da carreira com o álbum “Amaríssima” 

 

Na última sexta-feira (30), Melly estreou a nova turnê “Amaríssima” com show  sold out  em Salvador, na Bahia. A cantora conta que se sente segura para apresentar uma versão mais segura e exposta de si, além de momentos mais íntimos com o público. “É a minha primeira vez em turnê. Desde que eu comecei a fazer shows, esse é o meu momento mais seguro com o que eu sou no palco, com a mensagem que eu quero transmitir.  

 

Entre as faixas que ela está mais animada para se apresentar, a canção “extra: um poema com minha letra (gaveta)” está no topo da lista. “Eu não toquei ela ainda em público, faz tempo também que eu não toco ela sozinha em casa, eu nunca toco nos ensaios por ser uma música muito íntima. Acho que eu estou muito ansiosa para esse momento de me expor.” 

 

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Foto: Divulgação/João Arraes

 

Versão deluxe de “Amaríssima” a caminho 

 

Em breve, o projeto receberá um novo capítulo com a versão deluxe de “Amaríssima”. Ainda sem muitos detalhes, Melly revela que está animada para lançar a continuação do projeto em um futuro próximo.  “A gente tem pensado em lançar um deluxe, vai ser muito legal. Eu quero muito continuar trabalhando nesse disco, foi um trabalho muito generoso comigo e quero fazer isso rodar muito no Brasil inteiro. Aguardem novas surpresas!” 

 

Danilo Castro

Jornalista carioca, DJ e comunicador apaixonado por música. Ama a cultura pop negra tanto quanto comer frutos do mar.