22 de outubro de 2025

Música

Ton Carfi inicia nova era independente e afirma: “Nós também precisamos dos nossos Moisés”

Após uma década em gravadora, artista lança o clipe “Cântico de Moisés” e reflete sobre o papel do gospel na reconstrução da identidade negra

• 16/10/2025
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Reprodução: @toncarfi

A nova fase de Ton Carfi marca uma virada de chave na sua carreira. Após mais de dez anos na gravadora Som Livre, o cantor decidiu trilhar um caminho independente, com total autonomia criativa e propósito artístico claro: comunicar fé, liberdade e consciência por meio da arte. O movimento resultou na criação da Rocket Music Brazil, sua própria gravadora, que nasce com uma proposta ousada de produção e curadoria acolher artistas de diferentes estilos, sem restringir a arte a uma única linguagem religiosa. “A arte não pode se limitar a uma religião. Ela é arte. O que importa é a verdade e a intenção de quem a cria”, explica Ton.

O primeiro fruto desse novo momento é o “Cântico de Moisés”, faixa inspirada no livro de Deuteronômio 32, que mistura espiritualidade, história e consciência racial. A canção parte da narrativa bíblica de Moisés como libertador do povo hebreu para fazer um paralelo simbólico com a trajetória do povo negro nas Américas.

“Assim como Moisés pediu que o povo não esquecesse suas raízes, eu quis criar uma canção que lembrasse o negro brasileiro da sua história. Que a gente entenda de onde veio e o porquê da nossa luta”, diz o artista.

O clipe, de estética potente e simbologia ancestral, utiliza referências visuais de produções como Cor Púrpura, Elvis, Pecadores e dos musicais da Companhia Nissi, criando um elo entre fé, memória e libertação. Apesar de algumas semelhanças visuais, o projeto não é inspirado diretamente em ‘Pecadores’, mas faz referência a narrativas que retratam o sofrimento e a libertação de povos oprimidos. “Eu quis retratar o negro escravizado no Brasil, dentro das plantações de cana, nas senzalas, e fazer esse paralelo entre a travessia do povo hebreu e a do povo negro nas Américas”, explica.

Reprodução: @toncarfi

Diferente de muitos lançamentos da cena gospel, o projeto não busca números ou hits imediatos. Ton vê o clipe como uma entrega espiritual e política, onde cada elemento da fotografia às referências culturais reafirma sua liberdade criativa. “Não quero saber se vai ser um hit ou não. Quero que a mensagem chegue nas pessoas”, afirma. Produzido com investimento próprio e mixagem feita na Califórnia, o trabalho sintetiza um momento em que o cantor decide se posicionar sem amarras comerciais: “Depois de tantos anos, eu quero falar o que acredito e da forma que acredito.”

Com a Rocket Music Brazil, Ton propõe um novo modelo de gestão artística, pautado em independência e propósito. A gravadora, que não se restringe ao gospel, nasce para acolher talentos de diferentes estilos musicais, valorizando a arte como instrumento de expressão e liberdade. “A Rocket é um selo feito por artista para artista. Eu quero dar o suporte que sempre sonhei em ter: produzir, investir, mas sem prender ninguém. A arte precisa ser livre, e o artista também”, afirma Ton, sobre o formato que rompe com o modelo tradicional das grandes gravadoras.

Mais do que uma decisão profissional, essa nova fase representa para Ton uma reconexão espiritual e histórica. O cantor enxerga em Cântico de Moisés um chamado coletivo para lembrar de onde viemos e recontar nossa própria travessia.

“Nós também fomos escravizados, e precisamos lembrar da nossa história. Assim como o povo hebreu teve seu libertador, nós também precisamos dos nossos Moisés…essa música é sobre lembrar quem somos e onde Deus pode nos levar através da nossa luta e da nossa fé.”

Assista ao clipe completo de “Cântico de Moisés”:

A mensagem central de Cântico de Moisés é um chamado para que a comunidade evangélica olhe para sua própria ancestralidade. Ton reconhece que o discurso sobre escravidão e identidade negra ainda é pouco debatido dentro das igrejas, mas acredita que a arte pode reabrir esse diálogo.

“Falamos muito sobre o povo de Israel que foi escravizado, mas pouco sobre o povo negro que também foi. Nós também precisamos do nosso guia de libertação, dos nossos Moisés, e precisamos lembrar disso por meio da arte”, afirma.

Mesmo após o impacto do clipe, Ton não tem pressa para um novo tema. “Ainda estou digerindo o ‘Cântico de Moisés’. Quero que essa mensagem ecoe bastante”, diz. Entre os próximos passos, ele cita colaborações com artistas como Thierry, Livinho, MC Igg e PH, reafirmando sua versatilidade e disposição para dialogar com outros gêneros sem perder sua essência espiritual.

Para Ton Carfi, o Cântico de Moisés representa um divisor de águas não apenas na carreira, mas na forma de enxergar a própria fé. “A igreja tem um papel importante nessa discussão. Dentro dela, muitos negros já ocupam posições de liderança, mas fora dela, a desigualdade ainda é gritante. É por isso que eu trago esse debate para a arte. É um lembrete de que a libertação não é só espiritual, é também social e histórica.

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