África
N|uu: a língua ancestral dos “O Povo” luta contra a extinção
Na África do Sul, uma das línguas mais antigas do mundo resiste para não desaparecer

Os falantes do N|uu pertencem ao grupo que, por séculos, foi identificado de forma equivocada. Chamados de “bushmen”, do afrikaans buschjersman, traduzido em português como “bosquímanos”, o termo carregava o tom pejorativo dado pelos primeiros fazendeiros europeus (os colonizadores Boers), que os viam como selvagens. Também a denominação “San” tem origem discriminatória, atribuída pelos povos Bantu em sua expansão para o sul do continente, com o significado de “aqueles que recolhem alimentos”.
Na verdade, eles se reconhecem como “O Povo”. E com razão: registros arqueológicos apontam sua presença no sul da África há pelo menos 200 mil anos, o que faz dessa comunidade uma das raízes mais antigas da humanidade.
A trajetória desse povo é marcada por deslocamentos forçados. Em tempos passados, dominavam vastas regiões da África Austral, mas foram sendo empurrados primeiro pelos Bantu e, depois, pelos colonizadores europeus, até se concentrarem no deserto do Kalahari, onde vivem hoje como caçadores-coletores. Uma antiga lenda conta que, ao serem expulsos de suas terras ancestrais entre os rios Zambeze e Limpopo, região do atual Zimbábue, lançaram uma maldição, jurando que nenhum outro povo conseguiria manter paz ou controle pleno sobre aquelas terras.
Hoje, o idioma sobrevive graças a Katrina Esau, de 90 anos, considerada a última falante fluente de N|uu. De sua casa no Cabo Norte, ela ensina a língua a crianças locais e chegou a publicar o primeiro livro infantil no idioma, intitulado !Qhoi n|a Tjhoi. Com esses esforços, Katrina transmite um legado cultural milenar e garante que a voz de seu povo continue ecoando para as próximas gerações.
A ameaça ao N|uu é resultado direto de séculos de violência e apagamento cultural: genocídios, perda de território e imposição de línguas dominantes. Ainda assim, pesquisadores, organizações linguísticas e comunidades locais colaboram com gravações, dicionários e programas de ensino que buscam não apenas salvar um idioma ancestral, mas também reafirmar a identidade de um povo que há milênios já caminhava por aquelas terras, muito antes das fronteiras atuais.
O futuro do N|uu permanece incerto, mas cada registro feito hoje é uma tentativa de garantir que a língua mais antiga do mundo não desapareça com sua última guardiã.