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Africanize conversou com influenciadores, publicitários e empresários impactados pela redução de representatividade negra na comunicação de marcas para o Dia da Consciência Negra
De acordo com o estudo “ Diversidade na comunicação de marcas nas redes sociais ”, publicado pela Buzzmonitor, SAR65 e Elife em julho deste ano, a presença de pessoas negras em campanhas publicitárias caiu de 52,7% em 2022 para 31,6% em 2023, uma queda de 21,1% em um período de 12 meses.
Na prática, influenciadores digitais, agências de publicidade e empreendedores vêm sendo impactados pelo mercado publicitário ao longo dos últimos dois anos, com a diminuição de oferta de trabalhos. Afrolai, Artur Santoro (Batekoo) , Bell Rocha, Diogo Teixeira, Eddy Silva, Leticia Sotero (Agência Asminas) , Mauricio Sacramento (Batekoo) Núria Juelma, Ricardo Silvestre (Agência Black Influence) e Stace Hills conversaram com a Africanize, onde compartilharam experiências pessoais e perspectivas sobre racismo estrutural dentro do mercado da comunicação.
Stace Hills
No Rio de Janeiro, Stace Hills viu o seu trabalho como criadora de conteúdo dar frutos ainda em 2023, quando começou a fazer publicidade na internet. Com 664 mil seguidores no TikTok e 387 mil seguidores no Instagram , a influenciadora conta que a vida dela progrediu com seu trabalho na internet; entretanto, ainda se depara com desafios financeiros. “Eu ainda sou negra e vou continuar sendo. Eu morava na casa dos meus pais, agora eu moro de aluguel, dá para comprar as minhas coisas e eu estou satisfeita com o que eu tenho, mas claro que poderia ser um pouco melhor.” , diz Stace Hills.
Em agosto deste ano, Stace Hills anunciou nas redes sociais que havia iniciado em um emprego de carteira assinada em uma loja de produtos para cabelo. Segundo a influenciadora, a decisão partiu de um reflexo do comportamento do mercado publicitário, onde as ofertas de publicidade surgem principalmente de plataformas de jogos de azar. “Eu tenho problemas financeiros, mas eu recorri ao trabalho porque não gostaria de fazer ‘tigrinho’. A plataforma paga bem, mas eu disse: ‘Não, eu posso estar destruindo uma família com um único story, eu jamais vou fazer isso” , explica.
Enquanto isso, quando se fala de publicidade para marcas, as propostas chegam em uma quantidade menor, explica Stace. “As marcas falam muito de uma diversidade que no papel é diferente. Sou muito grata pelas que chegam até mim, ou que a minha agência vai atrás, mas se você pega uma pessoa um pouco mais clarinha do que eu, e às vezes ela tem até um número menor e um engajamento menor, ela vai estar fazendo mais publicidade.” .
A influenciadora destaca ainda as exigências do mercado publicitário às pessoas negras. “ Querem apenas com um número maior de seguidores. E precisa ter todo um filtro por dentro, porque você pode ser negro, mas tem que ter um traço específico, precisa ser o negro que eles querem. São produtos consumidos por pessoas negras, com pessoas negras, na perspectiva branca de sempre .”
Para a campanha do novembro negro deste ano, período que recorda e evidencia a luta e resistência da população negra contra o racismo, Stace Hills conta que não recebeu muitas propostas para este mês. “Já não tem mais. De cinquenta negros, eles só querem trabalhar com os mesmos dois. Não estão mais preocupados em conscientizar, só vender. O movimento Black Lives Matter só importa até certo ponto.”
Stace Hills. (Foto: Reprodução/Instagram)
Afrolai
Do Rio de Janeiro, mas nascida em Campos dos Goytacazes, Afrolai é DJ e influenciadora digital. Trabalhando desde os 11 anos, a campista já passou por diferentes profissões até se tornar artista: de manicure às lojas de departamento. Mas foi na música que ela se encontrou, e mesmo com seus 70,5 mil seguidores no Instagram , são nas festas e eventos que ela engaja o seu público.
Apenas no Soundcloud, o DJ Set de Afrolai “ Sexo Só Depois do Baseado ” possui 149 mil reproduções. E foi com a arte e a internet que Afrolai conseguiu mudar de vida. “ Eu não tinha uma base, não tinha nada, mas sabia dentro de mim que eu ia alcançar muitas coisas. E quando me vejo nesse lugar hoje, tendo o meu filho, a minha casa, eu acho que vivo um sonho. Só vim com um colchão, algumas roupas, um fogãozinho duas bocas e um sonho .”
Até 2024, ela já se apresentou em diferentes regiões do país e produz a festa “Baile da Afrolai” no Rio de Janeiro. Mas quando se trata de parcerias comerciais na internet, Afrolai considera o mercado ainda injusto para pessoas negras. Mãe de primeira viagem, a DJ confessa que esperava receber propostas de trabalho para o dia das mães deste ano. “ Eu tenho deixado bem claro o meu lado maternal e nada, é bem frustrante. ”. Para ela, as exigências do mercado dificultam mais ainda o processo de conseguir trabalhos comerciais. “ Você não pode ser simplesmente uma pessoa negra existindo, tem que ser a pessoa negra com cabelo liso, ou ativista, saia jeans e camisa branca. Aí vem uma pessoa não negra e se enquadra de qualquer forma [para a publicidade].”
“E eu não falo só de mim, mas falo até de amigos meus que trabalham com arte ou internet, mas ainda estão no CLT porque não conseguem uma oportunidade. A internet promete te fazer crescer, só que a gente ainda é muito invisível para as empresas, são ambientes totalmente embranquecidos.”
E para o mês do novembro negro, a quantidade de ofertas para publicidade e campanhas é quase nula. “ Não está tendo mais isso e está ficando cada vez mais claro essa regressão. E para nós que trabalhamos com internet, é preciso fazer muita entrega, ter literalmente uma rotina excessiva para sermos vistos por essas marcas”
Foto: Lu/Now Moss
Eddy Silva
De São Paulo, Eddy Silva sempre viu as redes sociais como um espaço seguro para compartilhar suas perspectivas sobre cultura. A jornada do influenciador na internet começou em 2015 no Facebook, mas foi no TikTok que ele encontrou um meio de ser amplamente reconhecido pelos seus conteúdos. Com 271 mil seguidores na rede social , além dos 37,3 mil seguidores no Instagram , Eddy Silva produz vídeos de reação sobre cabelos e assuntos em alta na internet.
“Fui percebendo que aquilo era interessante para mim, que eu gostava. Apesar de eu ser muito tímido pessoalmente, na internet eu sempre fui um pouco mais despido, então acho que isso me ajudou nessa relação. Hoje em dia, as pessoas mandam as suas publicações para mim, me marcam em publicações só para ouvir a minha opinião sobre aquilo, é uma parada bem louca, ainda não me acostumei com isso.”
Quando o assunto é publicidade, Eddy Silva acredita que as marcas não possuem muito interesse em trabalhar com influenciadores que abordam assuntos considerados polêmicos na internet. “O meu nicho, eu descobri da pior forma que é bem difícil para publicidade, porque se tratam de conteúdos delicados, e nem toda marca quer apoiar isso. Meu conteúdo é sobre opinião e as marcas na maioria das vezes tem medo, e quando não possuem medo, não querem investir.” , explica o influenciador.
Para driblar as dificuldades no mercado de influência, Eddy Silva conta que criou uma conta alternativa para tratar assuntos mais ‘leves’ da internet. “É um pouco difícil para mim porque eu estou acostumado, e meus seguidores também, a me verem reagindo de uma difrente forma. Eles querem saber a minha opinião sobre os assuntos. Abri essa outra conta para chamar atenção de marcas, mas não consegui seguir adiante.”
Para o mês de novembro, o influenciador também diz que não surgiram marcas oferecendo propostas de publicidade. “Até agora nada. Eles parecem que têm a ideia [de fazer o convite] um dia antes e depois mandar para você, que não é planejada. E olha que novembro é um mês onde uma pessoa preta passa ‘bem’, né?’” , conta.
Foto: Arquivo Pessoal
Ricardo Silvestre - Agência Black Influence
Também em São Paulo, a Black Influence ( @blackinfluence ) é uma das agências de comunicação que se consolidou no mercado de influência nos últimos cinco anos. Fundada por Ricardo Silvestre ( @ricardosilvestre ), a empresa surgiu a partir de uma necessidade do publicitário de gerir o próprio negócio. “Foi uma necessidade pessoal e profissional que eu tinha, porque o adoeci trabalhando no mercado de agências, e eu não tinha muita opção. Ou eu desistia da carreira ou eu me reinventava, que naturalmente é mais difícil pra gente”.
Com um casting fixo diverso e majetoriamente negro, a empresa celebra o repasse de R$40 milhões para influenciadores negros ao longo dos cinco anos de agência. Segundo Silvestre, o valor reforça a importância de estabelecer conexão entre marcas e influenciadores pouco reconhecidos no mercado.
“Eu tenho troca com os influenciadores no dia a dia e vejo uma galera que saiu da favela e conseguiu comprar uma casa própria, que tem tido uma independência financeira e que consegue ajudar os pais. Acho isso muito importante, principalmente sabendo do lado de cá, onde eu sei como as coisas funcionam e como o mercado é extremamente injusto em diversos aspectos.”
Ricardo Silvestre acredita que o mercado ainda é resistente em gerir diferentes temáticas durante um mesmo período. " O mercado tem uma série de dificuldades, e uma delas é trabalhar diversas pautas ao mesmo tempo" , destaca. Segundo ele, as empresas costumam escolher apenas um ou dois temas para abordar ao longo do ano, como ‘ Pride ’ ou Consciência Negra. Para o publicitário, convencer as marcas de que é possível abordar temas de forma contínua e orgânica ao longo do calendário anual é um dos grandes desafios do setor.
“Tem marcas também que preferem não trabalhar com pauta nenhuma, e isso acaba sendo uma tendência. Eu já ouvi coisas terríveis e de marcas que falam: ‘Eu não trabalhei com a comunidade negra o ano todo, também não vou trabalhar em novembro.’ Como se elas tivessem fazendo uma grande coisa e fossem ótimas e mega responsáveis. E se por acaso essa comunidade deixar de consumir um produto ou serviço? É o fim da marca no Brasil.”, afirma.
Silvestre aponta a necessidade de ter mais investimentos para que o setor publicitário realmente promova mudanças significativas e alinhadas com a realidade brasileira. “A gente já provou de uma vez por todas que a gente sabe o que a gente está fazendo, que o nosso trabalho é eficiente e que faz sentido, mas que sem grana ninguém vai fazer nada. Não adianta as marcas fingirem que não estão vendo isso e preferirem comprar qualquer outra pauta ou patrocinar qualquer outro festival que não tenha propósito e que não converse de fato com o Brasil. O mercado publicitário por muitos anos viveu distante do Brasil real”.
Ricardo Silvestre, CEO da agência Black Influence. (Foto: Jordan Vilas)
Núria Juelma
De Belém, no Pará, mas nascida em Angola, Núria Juelma se mudou para o Brasil ainda criança. Em contato com a moda desde a infância por conta do salão de beleza que sua mãe administra, a jovem ainda cedo passou a trabalhar no segmento e hoje compartilha seu estilo de vida no Instagram, onde possui 11,9 mil seguidores . Quando se trata de publicidade, a modelo conta que ainda está se adaptando ao que o mercado espera dela nas redes sociais.
“Eu ainda estou tentando entender totalmente. Eu sei ao grosso como o mercado funciona, mas às vezes pego pego essa tangente, e nem sempre funciona para mim. O mercado quando vê uma mulher preta, ele é caricato, e isso me pega um pouco, então tento equilibrar o melhor dos dois mundos.”
E residindo no norte do país, no Pará, as oportunidades acabam sendo ainda menores do que para quem mora em capitais centrais do Brasil, como o sudeste. Segundo Núria, não são todas as empresas que olham para modelos e criadores de conteúdo da região. “Difícil você ver uma empresa muito grande trabalhando aqui em Belém. Consigo trabalhar com as que atuam aqui, mas não da forma que eu vejo uma amiga branca que também é influente trabalhando e ganhando duas, três vezes mais da mesma marca, na mesma vertente.”
Núria Joelma conta que recebe pelo menos uma proposta de publicidade por semana. Contudo, nem todas são fechadas, já que as marcas não estão dispostas a pagar um valor considerado justo pela modelo e influenciadora. “Tem proposta que chega aqui para mim que, às vezes, não vale nem a pena responder, porque chega a ser abuso. Tem proposta que eu vejo, olho o feed e não tem nenhuma pessoa preta.”
E quando se trata de Novembro Negro, a modelo acredita que, para que as campanhas tenham maior eficiência, é necessário que pessoas negras ocupem os espaços de tomada de decisão. “A gente tem que saber ganhar no mercado, porque a gente não vai estourar a bolha de fora para dentro, a gente tem que fazer de dentro para fora. A gente tem que inserir e, assim, levando a galera e mudando as perspectivas nas corporações.”
Núria Juelma. (Foto: Reprodução/Instagram)
Bell Rocha
Influenciadora e modelo, Bell Rocha é de Salvador, Bahia, e sempre se viu inserida no universo da moda. Com poucas referências de mulheres negras plus size no segmento, a baiana decidiu se tornar uma delas para as pessoas. “Eu sou totalmente fora do padrão, e acho que as pessoas também precisavam dessa inspiração, de pessoas como elas falando de moda.”
Com 54,9 mil seguidores no Instagram , a embaixadora da marca norte-americana Fashion Nova conta que, além dessa parceria, ela encontra dificuldades em fechar outras publicidades. “Os trabalhos diminuíram, mas eu ainda consigo sobreviver sendo influenciadora, porque, no ruim, ainda faço uma por mês.” Eu já pensei muito em ir morar em São Paulo [por mais oportunidades], só que não é tão barato assim. Não dá para sair da minha cidade, onde tenho estabilidade, e ir para São Paulo esperar as coisas acontecerem.”
Além disso, convites que aparecem de empresas geralmente são para fazer permuta ou participações gratuitas em eventos. “A marca queria que eu fosse para outro estado, iria pagar só a passagem e ia ficar por isso mesmo. Quando aconteceu o evento, vi vários influenciadores potentes, que poderiam cobrar pelo seu trabalho, mas estavam lá de graça postando como se fosse publi.” , diz.
“Enquanto a gente tiver influenciadores que aceitam o mínimo de uma marca, vai ficar tudo mais difícil. Tenho certeza que os influenciadores brancos que estavam lá foram pagos” , afirma Bell Rocha.
E para o período de Novembro Negro, em 2023 e 2024, a influenciadora diz que sente uma diminuição na procura de marcas por parcerias. “Fiquei contando tanto com o novembro negro no ano passado, que foi quando deu uma baixa nas ofertas. Eu não sei o que está acontecendo que a pauta simplesmente esfriou. A galera parou de cobrar também.”
Bell Rocha. (Foto: Reprodução/Instagram)
Diogo Teixeira
Também de Salvador, Bahia, o ator e influencer Diogo Teixeira iniciou a carreira como criador de conteúdo digital ainda na pandemia, produzindo vídeos de humor e dublagem. Com 140 mil seguidores no Instagram e 83.1 mil seguidores no Tiktok , o influenciador trabalhou de carteira assinada até recentemente, onde atuava no setor de diversidade e comunicação de uma empresa. A experiência, para ele, o ajudou a entender o comportamento das empresas com a representatividade.
“Era o único preto do setor. Assumi essa perspectiva de evidenciar mais projetos para pessoas pretas e periféricas para abrir a cabeça e tentar furar esse padrão na empresa. Mas não adianta colocar publicidade para a gente fazer em novembro e a estrutura dessas empresas continuarem sendo racistas.” , reflete o influenciador. “A empresa começou a entrar nessa regressão [de diversidade], e a gente entendeu que a bolsa de valores estava mudando. As empresas hoje estão preocupadas com o impacto ambiental, só que começaram a diminuir investimentos para a diversidade”.
Do outro lado, como influenciador, Diogo Teixeira também sente uma regressão das marcas em apoiar criadores de conteúdo negros. “Eu estou tentando me inserir nesse mercado, acho que fechei quatro marcas potentes, e tem recebido de outras umas propostas absurdas. Uma, oferecendo 800 reais e pedindo exclusividade de marca por três meses, para fazer criação de stories e feed. Eu fiquei: ‘Como assim?’. Duvido que chegue esse valor para uma pessoa branca.”
O influenciador também se questiona se as marcas só prestarão atenção em criadores de conteúdo negros quando estiveram ligados ao viés da dor. “Vou ter que falar que perdi o emprego e que estou sob seguro desemprego e que eu preciso de dinheiro? Preciso expor essa minha dor para ganhar engajamento? Porque a cultura de engajamento para pessoas pretas é da violência e da tragédia, né? Só olhar os jornais!”, pontua .
Quanto às campanhas de Novembro Negro, Diogo Teixeira ressalta que as empresas precisam olhar para pessoas negras ao longo de todo calendário do ano. “A galera que está aqui não quer trabalhar só em novembro. A gente é preto o ano inteiro. De janeiro a janeiro eu sou preto e preciso trabalhar e ganhar dinheiro.”
Diogo Teixeira. (Foto: Reprodução/Instagram)
Letícia Sotero - Agência Asminas
A agência Asminas, liderada por mulheres pretas de Salvador, tem marcado o mercado de influência com uma proposta clara: ser uma agência que une diversidade e profissionalismo, atendendo influenciadores e marcas que compreendem a importância do impacto social e econômico da representatividade. Criada em 2020, Asminas ( @asminascontent ) surgiu do desejo de suas fundadoras Letícia Sotero e Dayane Oliveira de verem seus corpos e identidades respeitados em espaços corporativos, especialmente em comunicação e publicidade, onde frequentemente não se enxergavam.
“Queríamos estar em campanhas e decisões, mas a presença de lideranças alinhadas com essa visão ainda era mínima” , afirma Letícia Sotero, que se aprofunda sobre o propósito da agência na comunicação com as marcas. “Quando a gente fala sobre resultado da diversidade, é algo que a gente leva muito para dentro das conversas com os nossos clientes, porque parece que a diversidade tem que estar ali cumprindo um papel muito de suporte”
Para Letícia Sotero, o alinhamento com a diversidade é uma pauta que precisa ser defendida em ambos os lados, o que não vem acontecendo no último ano. “A gente como corporação entende que essa falta de importância que o mercado se deu muito porque os cargos de liderança e de diversidade vem sendo extintos nas empresas. As pessoas que estão nos cargos de decisão não estão alinhadas com essas pautas.”
Ao negociar valores de publicidade para os influenciadores da agência, Letícia Sotero conta que não são todas as marcas que estão dispostas a oferecer pagamentos justos aos criadores de conteúdo. “O influenciador preto, ele é pensado em um valor mercadológico de oportunidade. Parece que, o tempo todo, para ele é [a proposta feita é] a oportunidade da sua vida, e se a não aceitar aquela permuta, acabou, não vai ter mais aquela oportunidade.”
“Não é fácil a gente conseguir fechar trabalhos, e é muito difícil a gente conseguir fechar no valor que a gente passa para as marcas. As negociações acabam sendo muito discrepantes, a gente manda um valor X e a pessoa quer pagar menos um X.” , desabafa a co-fundadora da agência.
E para a campanha de Novembro Negro deste ano, as marcas pouco tem buscado influenciadores para fechar trabalhos. “As marcas procurarem a gente é realmente o sonho da nossa vida. É a gente sempre que tem que fazer esse movimento contrário, de bater nas portas, nos relacionamentos que a gente construiu durante esses cinco anos, e de levar esse espaço de oportunidade para a gente poder minimamente apresentar o que a gente tem para poder fazer.”
Letícia Sotero. (Foto: Reprodução/Instagram)
Segundo o Instituto Locomotiva, o poder de compra da população negra no Brasil é de aproximadamente R$1,6 trilhão , mas o investimento publicitário destinado a essa audiência é desproporcionalmente baixo. O estudo mostra que apenas 6,5% das campanhas no Brasil destacam pessoas negras de forma central, o que indica uma enorme oportunidade de conexão e fidelização que muitas marcas estão desperdiçando.
De acordo com uma pesquisa feita pela ABIPE (Associação Brasileira de Pesquisadores em Publicidade e Propaganda) em 2021, mais de 74% das pessoas negras no Brasil afirmaram que raramente se sentem representadas na publicidade e campanhas de grandes marcas , especialmente em segmentos de alto luxo, saúde e bem-estar.
Festival - Artur Santoro e Mauricio Sacramento (Batekoo)
Nos últimos dez anos, a Batekoo ( @batekoo ) se consolidou como uma das maiores plataformas de cultura negra e LGBTQIA+ do Brasil, expandindo a atuação para além das festas, com iniciativas de educação e de estratégia para o mercado publicitário. Para amplificar a relevância cultural da Batekoo no Brasil, Artur Santoro, co-CEO da plataforma de cultura entretenimento negro, explica que a relação com a publicidade surgiu naturalmente, impulsionada pela necessidade de captar recursos para os projetos da empresa.
“A gente foi entendendo o quanto a cultura no Brasil depende de financiamento de marcas, de iniciativas privadas e até mesmo por leis de incentivo, como a Rouanet. É, de fato, convencer uma empresa privada a te oferecer recursos para conseguir financiamento.”, explica Santoro.
Entretanto, para que as parcerias comerciais acontecessem, o empresário destaca que sempre foi necessário ter uma pessoa negra negociando dentro das empresas. “Mais de 90% dos contratos que a Batekoo fecha com marcas são encabeçadas por pessoas negras que trabalham dentro das marcas. É sempre um dos poucos profissionais negros que tem dentro, quando não o único, e que abraça o projeto, defende e, muitas vezes precisa se impor com quem assina a caneta.”
No dia 31 de outubro de 2024, a Batekoo anunciou, por meio das redes sociais, que o Batekoo Festival seria adiado após a desistência de uma marca patrocinadora. O movimento desestabilizou a Batekoo e gerou prejuízos ao evento, que estava confirmado para acontecer em menos de 30 dias. “ A gente está num momento bem crítico financeiro, a ponto de precisar recalcular a rota e entender como seguir, e se seguir, porque tem todo o investimento que a gente fez para fazer o festival acontecer, e os pagamentos iniciais a gente fez contando com os patrocinadores que fechamos para que essa grana voltasse”, pontua Artur Santoro.
Com a falta de investimento das marcas, Mauricio Sacramento reflete também se o mercado publicitário se importará com a representatividade negra na comunicação de marcas apenas em situações de tragédia. “George Floyd foi em 2020, e, de vez em quando, parece que precisa ter um novo George Floyd para essa pauta virar relevante novamente. Mas, no final das contas, a gente tem mil George Floyds morrendo no Brasil todos os dias, e isso não sensibiliza o mercado e nem a sociedade.”
Para o diretor criativo da Batekoo, é importante que discussões sobre diversidade sejam colocadas em evidência novamente para que as marcas voltem a reconhecer a importância dela para a sociedade. “A primeira coisa que precisa ser feita é essa mobilização coletiva, que é o que está acontecendo agora. A gente fala sobre a instituição do mercado publicitário para poder dizer o porquê dessas questões estarem deixando de ser prioridade, é trazer esse assunto à tona novamente.”
Artur Santoro e Mauricio Sacramento, CEOs da Batekoo. (Foto: Jardiel Carvalho/Folha Press)
A publicidade em dados: população branca representa 68,9% das pessoas inseridas em campanhas publicitárias
De acordo com um levantamento feito pela plataforma Influency.me , entre as 15 personalidades da internet mais buscadas pelas marcas nos primeiros sete meses de 2024, Aline Wirley e Larissa Luz são as únicas pessoas negras da lista, ocupando a 10º e a 13º posição, respectivamente.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 56,1% dos brasileiros são negros . No entanto, a representatividade negra em campanhas publicitárias ficou abaixo dessa proporção em 2023, representando apenas 31,6%, de acordo com um levantamento realizado pela Buzzmonitor, SAR66 e Elife. Em comparação, a população branca correspondeu a 68,9% das pessoas presentes em campanhas, enquanto a representação de indígenas foi de apenas 0,5%.
Embora faltem profissionais negros inseridos na comunicação das marcas, o Fórum da Autorregulação do Mercado Publicitário (Cenp) registrou um aumento de 16% nos investimentos em publicidade online no primeiro semestre de 2024. O setor alcançou a marca de R$10,6 bilhões, acima dos R$9,14 bilhões de janeiro a junho de 2023. O GroupM prevê também um crescimento de 11,3% na receita de publicidade no Brasil em 2024.
Jornalista carioca, DJ e comunicador apaixonado por música. Ama a cultura pop negra tanto quanto comer frutos do mar.
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