• 18-09-2024

Advogada Empresarial fala como fundou a Black Sister In Law, a maior associação global de advogadas negras no Brasil.

O mês em que celebramos a  Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha está chegando ao fim. No Brasil, lembramos Tereza de Benguela, uma líder quilombola que viveu até o século XVIII, resistindo à escravidão por duas décadas.  

Julho das Pretas é um marco na luta contra o racismo, machismo e sexismo. Os dados sobre violência e desigualdade no mercado de trabalho atingem massivamente as mulheres negras, incluindo as transsexuais. De acordo com a Associação de Mulheres Afro, na América Latina e no Caribe, 200 milhões de pessoas (54% da população) se identificam como negras. Tanto no Brasil quanto fora, esse grupo é o que mais sofre com as desigualdades socioeconômicas e raciais.  

O mais importante é saber quem são as mulheres que estão fazendo história, resistindo e lutando contra as mazelas que o racismo estrutural impõe. Batemos um papo com  Dione Assis , advogada empresarial e fundadora da  Black Sister in Law , uma associação global de mulheres que começou de maneira despretensiosa em um grupo de WhatsApp em 2022. O crescimento foi tão grande que hoje conta com mais de 5 mil profissionais no Brasil e no mundo. O projeto tem como objetivo conectar oportunidades de trabalho e impulsionar a carreira de advogadas negras de diversas áreas do Direito no Brasil e no exterior.  

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Dentro desse ambiente jurídico, que é extremamente masculinizado, branco e elitizado, existem códigos que, se você não reproduzir, não consegue fazer parte. As colegas ainda são atravessadas. Elas não conseguem enxergar as oportunidades. Eu comecei a ver colegas no grupo praticando uma advocacia muito precária. Fizeram cinco anos de faculdade, passaram na prova da OAB e fazem audiência presencial por R$ 20. São poucas as que conseguem viver exclusivamente da advocacia. Muitas precisam recorrer a outras fontes de renda e, no final de semana, atuam como freelancer de garçonete e faxineira.  

O último relatório do quadro da OAB aponta que as mulheres representam 52% dos inscritos. Mas, ainda assim, a estrutura judiciária é majoritariamente masculina. Um exemplo é o Supremo Tribunal Federal, que conta com 11 ministros e apenas uma mulher. A pergunta é: onde estão essas mulheres?  

 

Poucos escritórios são formados por mulheres; elas não estão na vanguarda. Estão na base do mercado jurídico, sendo a maioria das estagiárias e advogadas juniores. Quando começam a crescer na carreira, não vão subindo. Há diversos fatores envolvidos, como o racismo e a maternidade, que o mercado ainda vê como empecilhos à promoção. Muitas tentam a carreira autônoma fundando seu próprio escritório, mas não conseguem crescer porque os grandes clientes não contratam pequenas estruturas jurídicas. Preferem os grandes escritórios. É um ciclo vicioso que impede o crescimento de todas as formas.  

 

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Por essa razão, a BSL foi fundada para que mulheres negras avancem no mercado jurídico, possam ter autonomia e monetizar seus negócios. A princípio o nome do grupo nasceu de maneira espontânea, mas logo tomou um rumo com propósito.  

Quando eu montei o grupo, ele chamava Advogadas Negras. Ficou assim durante muito tempo. Até que um dia, uma advogada negra que mora nos Estados Unidos conheceu o grupo e quis fazer parte. Pensei: como eu vou fazer? Na hora, eu falei que precisávamos de um nome global. Logo veio à mente Black Sister. Algumas sisters reclamaram, questionaram o porquê do nome em inglês. Respondi que é um código importante do ponto de vista da globalização e para o que a gente quer desenvolver. Hoje, temos mais de 70 colegas fora do Brasil advogando nos Estados Unidos, Alemanha, Portugal, Espanha, França, Angola, Moçambique, Canadá e Cuba.  

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Atualmente, a BSL tem parcerias com grandes empresas como:  Uber, Ambev e Byer. Também é responsável pela Central de Apoio Psicológico e Jurídico do iFood, um suporte para entregadores que sofrem discriminações e violências.   

Somos procuradas pela nossa capacidade de entrega e competência. Não existe hoje nenhuma estrutura no Brasil que conecte o mercado jurídico com uma advogada em pouquíssimos minutos. São quase 200 sisters criminalistas pelo país, que recebem demandas e assumem casos do iFood. Atualmente, 98% do sistema de justiça é virtual. Fazemos questão de levar demandas para as colegas que estão no interior, pois, para quem está na capital, no Sudeste, é mais fácil se conectar. Temos esse cuidado na seleção.  

Sem pestanejar, Dione responde qual é a missão da BSL.   

Estamos trabalhando para que a Black Sister in Law seja o celeiro das primeiras grandes histórias da democracia fundadas por mulheres negras. Pretendemos fazer isso conectando essas profissionais com empresas, porque são elas que transformam os grandes escritórios. Queremos encurtar o caminho, eliminar intermediários e colocar essas advogadas negras em contato direto com diretores ou diretoras jurídicas, que possam contratar seus escritórios, levar volume de demanda, oportunidades para suas estruturas e fundar os maiores escritórios de advocacia de mulheres negras.  

Reunimos o recorte de raça, de gênero, regional e etarismo. Temos que mostrar para o mercado que existimos; precisamos ser remuneradas de maneira compatível e não por R$ 20.   

Em fevereiro deste ano, aconteceu a primeira edição do prêmio  Best Sisters In Low , que nasceu como inspiração e objetivo de reconhecer as sisters que estão desempenhando seus papeis no mercado.   

Certa vez, uma colega, que é uma queridíssima super aliada da BSL, fez um post no LinkedIn expressando sua gratidão por ser reconhecida como uma das advogadas mais admiradas em sua área pelo nono ano consecutivo. Ela realmente é fantástica. Mas logo pensei: quando conseguiremos entrar nessas premiações? São as grandes empresas que votam, e se as sisters não conseguem conexões com essas grandes empresas, elas não serão votadas. Então, decidimos criar a nossa própria premiação. Fiz algumas ligações para aliados e assim fomos criando o prêmio. O sucesso foi grande que, no primeiro dia em que liberamos o link para votação, o sistema caiu. Ao todo, tivemos 115 finalistas que receberam 58 mil votos por CPF. Era isso que queríamos: dar visibilidade e protagonismo para essas mulheres.  

Atualmente, a BSL trabalha em várias frentes, e a consultoria ESG é uma delas. Pensando no social, que é uma parte muito importante dentro desse trabalho, perguntamos se as empresas estão interessadas em mudanças reais, se querem investir em transformação social ou se é apenas uma jogada de marketing.  

Eu não sei quantas reuniões fiz para apresentar a Black nesses dois anos e pouco. Eles procuram ouvir e querem entender, mas tenho a sensação de que o envolvimento deles não é genuíno, e está tudo bem. Eu preciso informar à empresa, ao meu cliente, que tenho um negócio de diversidade. Eu sempre sugiro, falo sobre os estudos e como as empresas estão começando a debater o assunto. Eu digo: “Olha! Estava todo mundo sem falar ou fazer isso, não fique com vergonha se você ainda não tem ninguém. Está tudo bem. Vergonha é ver a realidade hoje e não fazer nada. Assuma, tire uma fotografia do escritório da sua empresa, veja o quanto você é diverso hoje. Estabeleça o quanto você pretende ser em 1, 2 e 5 anos. Tem que começar dialogando; é um passo de cada vez.”  

Apesar da rotina corrida e da luta incansável contra o sistema, Dione se diz realizada com sua missão.   

Nossa! Me sinto extremamente realizada. Estava pensando em casa, olhando pela janela, e agradeci por tudo que conquistei na vida pessoal e profissional. Por ter a oportunidade e o privilégio de expandir minhas ideias e de fazer com que outras mulheres como eu tenham acesso às oportunidades. Nunca planejei; tudo isso aconteceu, e a Black mudou o rumo das coisas. Junho foi um dos melhores meses para nós em termos de conexões, oportunidades e mobilidade financeira para as sisters. Eu não tenho sonhos, tenho metas que estabeleci na minha vida e, de uma forma ou de outra, consegui alcançar. Passe o tempo que passar, não tenho pressa. Sou extremamente paciente. Sou muito feliz e positiva, e materializar tudo isso é gratificante.