• 23-11-2024

Conflito entre um pai negro e um pai branco desnuda a branquitude e os mecanismos do racismo estrutural

Colocado como bullying, muitas vezes o racismo sofrido dentro das escolas é minimizado pelas instituições, estudantes e seus familiares. A peça “Para Meu Amigo Branco”, dirigida por Rodrigo França, estreia nesta quarta-feira (27) no Teatro Sesc Copacabana, no Rio de Janeiro, e aborda um desses episódios entre crianças no ambiente escolar. O texto, de autoria própria, ao lado de Mery Delmond, é inspirado no livro homônimo do jornalista e apresentador Manoel Soares.  

— É um dos poucos trabalhos artísticos que desnuda a branquitude brasileira. A gente fala muito na academia, nos grupos de estudo, em coletivos, mas, no geral, na arte trazemos a negritude como elemento principal, a partir de suas potências e dores. Esse espetáculo é verdadeiro porque questiona todas as nuances de como a branquitude opera — afirma França.   

O enredo surge entorno de Zuri, uma menina de 8 anos que é vítima de insultos racistas por um estudante de sua classe, mas, ao solicitar explicação à escola, seu pai, Monsueto (Reinaldo Júnior), descobre que a situação vivenciada por sua filha estava sendo tratada como “coisa de criança”.  Na trama, as contradições e a falta de posicionamento da escola dão o tom do conflito de um pai negro e um pai branco, que minimiza a dor e sofrimento dessa família (preta).  

 

— O livro é praticamente um manual, mas meu ponto de partida para a adaptação à dramaturgia foi saber que tinha a ver com o Felipe, filho do Manoel, ter sofrido racismo na escola.  A partir disso, eu e Mery trouxemos toda nossa bagagem de vida, de estudos e montamos o texto. — Pontua Rodrigo — O ambiente escolar deveria ser um lugar de conforto, mas é de muita violência para pessoas pretas, situações que deveriam ser evitadas, são potencializadas e é preciso colocar que racismo não é bullying, porque o bullying não tem recorte racial. 

 

O espetáculo marca também os 31 anos de carreira de Rodrigo, que vive um momento próspero não só nos palcos, mas no audiovisual. Transitando entre atuação em séries como ‘Arcanjo Renegado’ e ‘Verônica’ e na direção de ‘Humor Negro’, todas do Globoplay, ele explora uma vertente recente do seu trabalho, mas que já traz bons frutos. Para ele, suas produções trazem um novo olhar sobre narrativas que já são contadas, mas que, muitas vezes, não representam apropriadamente as vivências e particularidades das pessoas pretas no Brasil.  

 

— A televisão e o cinema tem papel importante na construção dos valores sociais, definindo o que é certo, o que é errado, quem é bonito, quem é feio. É fundamental para mim trabalhar o que está por trás disso, de que forma eu posso contribuir para a comunidade naquilo que eu faço, porque pouco se sabe iluminar, maquiar, fotografar atores negros. Que história eu quero contar, por que contar, de que forma estabelecer as histórias? Não é simplesmente a relação de lugar de fala no sentido de que nós estamos escrevendo, mas de subverter a lógica hegemônica. Para mim não serve fazer tudo aquilo que já está estabelecido aí, que é um olhar racista. Não quero personagens negros estereotipados, quero fugir da exploração da violência, da hipersexualização, da tintura preconceituosa que sempre nos colocaram — expõe Rodrigo.  

 

As apresentações ocorrem de quinta a domingo, às 20h, na arena do Sesc Copacabana (Rua Domingos Ferreira, 160). A temporada vai de 27 de julho a 20 de agosto de 2023.